.jpeg)
Foto: Casacor / MCA Estúdio
Projeto assinado pelo arquiteto Hugo Ribeiro mergulha nas memórias afetivas da ‘Casa Nossa Senhora das Mercês’
Durante a CASACOR Bahia 2025, realizada na Casa Nossa Senhora das Mercês, no centro de Salvador, cerca de 40 ambientes foram projetados para uma imersão arquitetônica, em um espetáculo de design e artes visuais. Um dos destaques da edição ficou à cargo do "Lounge da Renúncia", espaço assinado pelo arquiteto e produtor visual Hugo Ribeiro, ao propor uma reflexão sensorial e singular sobre fé, escolhas e livre-arbítrio. O
projeto mergulha nas memórias afetivas do patrimônio histórico de
Salvador e transforma o lounge em um ponto de reflexão: “a renúncia mora
na liberdade” Diz ele. O
olhar de Hugo atravessa a ancestralidade e modernidade, criando um
espaço contemporâneo com imagens barrocas e profundamente sensíveis. Instalado no coração do antigo Convento das Mercês, construído em 1735, Hugo apresenta um ambiente que percorre histórias e soluções criativas em diálogo com o imaginário popular religioso. Convidando os visitantes à ponderação, o Lounge da Renúncia
retrata desejos, prisão e práticas disciplinares como ajoelhar no milho
em um espaço que convida à autorreflexão. A instalação culmina em
mobiliário sacro tradicional, que reunia as fiéis em procissões
religiosas e momentos de adoração coletiva. Hugo
explica que o conceito do espaço nasceu de visitas à Casa Nossa Senhora
das Mercês, onde um corredor, em especial, cercado por grades e arames
farpados, o fez lembrar o versículo bíblico “Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome sua cruz diária e siga-me”. Mas não era apenas memória religiosa, era um questionamento profundo sobre “quantas
mulheres passaram por ali por vontade própria? Quantas renunciaram por
escolha? Quantas foram obrigadas a negar seus desejos, seus corpos, suas
vozes?”. Essas inquietações deram origem a um espaço
que mistura renúncia, fé, solidão e práticas disciplinares
questionáveis em uma avalanche de sentimentos para quem o visita. “Eu
não queria apenas um lounge bonito. Queria um espaço que deixasse
marcas profundas e sensíveis, ainda que sutis, como o silêncio e a
solidão de um convento cheio. A provocação torna a arte paradoxal,
mexendo com o tempo através de marcas ásperas, como o milho espalhado no
chão da instalação final”, afirma Hugo. O projeto se divide em duas fases.
Na primeira, o lounge oferece alívio visual, com intervenções quase
invisíveis, piso de madeira centenário intacto e forro descoberto
propositalmente durante a obra. A escada original do convento, mantida
não como relíquia, mas como portal metafórico que transporta o visitante
ao século XVIII. “A arquitetura aqui não é protagonista. Ela cede. Se curva. A matéria é o tempo. Eu apenas abri as janelas para ele passar”, reflete. Na
segunda etapa, o público transita entre passado e presente sem
hierarquia. A santidade em nova representação artística, velas sacras
repousam sobre prateleiras, enquanto esculturas contemporâneas ocupam
seus nichos. O mobiliário de design atual cria conexões com objetos de
antiquários expostos na mostra. Um espelho coberto por tecido floral,
com moldura irregular, faz o espectador projetar seu reflexo fora dos
moldes rígidos da época. Todas as obras do Lounge da Renúncia foram criteriosamente selecionadas por Hugo. Algumas
peças foram criadas especialmente para o espaço em diálogo com o
conceito, enquanto outras fazem parte do acervo da Tria Galeria, convidada pelo arquiteto. “Nunca
foi sobre decorar, mas sobre tensionar o espectador. Cada artista
presente, manifesta em suas obras, me ajuda a contar essa história”, explica. Para o grand finale, o visitante encontra uma pequena sala isolada. “No
centro, uma cadeira fria. Na parede, uma cruz caída feita com lâmpadas
tubulares de LED e muito milho no chão, formando um caminho que exige
joelhos ou pelo menos uma escolha. Essa é uma sala para quem quiser
ajoelhar, lembrar ou apenas olhar”, conclui. A visitação ao Lounge da Renúncia e aos demais ambientes da CASACOR Bahia 2025 acontece até 7 de setembro,
integrando a programação cultural da cidade e provocando o Brasil com
experiências marcadas pela profundidade e pela subjetividade que
atravessam a arquitetura. Por Glaucia Ribeiro