Plan Brasil- Mini COP São Paulo / Foto: Divulgação
Justiça climática começa com a infância: o recado das novas gerações à COP30
Enquanto líderes mundiais se reúnem na
COP30, em Belém, para definir os rumos da ação climática global, meninas
e meninos brasileiros lançam um alerta que não pode mais ser ignorado: a
crise climática também é uma crise da infância. No Brasil, 40 milhões
de crianças e adolescentes estão expostos a pelo menos um risco
climático — enchentes, secas, queimadas ou ondas de calor, segundo o
UNICEF (2022). Esses fenômenos não afetam a todos da mesma forma: eles
amplificam desigualdades históricas de gênero, raça, classe e
território, aprofundando as vulnerabilidades de meninas, populações
negras, quilombolas e comunidades periféricas.
Trazer para o
centro do debate climático esses grupos historicamente invisibilizados
não é um gesto de inclusão simbólica — é uma exigência ética e
científica. A ciência do clima mostra, com clareza, que os impactos mais
severos recairão sobre as regiões tropicais e sobre as populações com
menor capacidade de adaptação. E é justamente nessas regiões, onde a
crise é mais sentida, que surgem também as formas mais criativas e
resilientes de enfrentá-la. Escutar essas vozes é reconhecer que a
justiça climática nasce do território e da experiência de quem já vive o
futuro que o mundo tenta evitar.
O novo relatório da Plan International Brasil, “Por um Planeta Onde Crianças e Adolescentes Cresçam Livres, Seguras e Respeitadas”, representa um marco nesse sentido. Produzido a partir da aplicação das Mini-COPs —
encontros participativos inspirados nas Conferências das Partes da ONU —
o estudo reuniu 80 crianças, adolescentes e jovens de cinco territórios
brasileiros: São Luís (MA), Codó (MA), Teresina (PI), Salvador (BA) e
São Paulo (SP). O relatório sistematiza suas percepções sobre como as
mudanças climáticas afetam o cotidiano, os direitos e os sonhos de suas
comunidades.
As vozes das Mini-COPs
O documento revela que, para essas novas gerações, o colapso climático é uma ruptura social. Educação, saúde, e proteção são dimensões diretamente impactadas pela instabilidade climática, e a ausência de políticas inclusivas agrava a exclusão de quem já vive à margem. Ao mesmo tempo, o relatório mostra que essas crianças e jovens compreendem a crise com uma lucidez admirável: falam de educação socioemocional, a importância da coletividade e de um modo de vida em harmonia com a natureza. Eles não falam em “redução de carbono”, falam em cuidar da Terra e das pessoas, como se uma coisa não pudesse existir sem a outra — e estão certos.
As demandas e aspirações dos participantes se concentraram em quatro eixos centrais do relatório:
1. Proteção (38% das falas): Visto como o tema mais recorrente, a proteção é entendida de forma ampla - segurança física, emocional, ambiental e institucional. Meninas e meninos pedem o fim da violência e exigem atuação efetiva do Estado para garantir seus direitos. As meninas, em particular, ligam a proteção ao direito de viver sem medo, com dignidade.
2. Educação (27% das falas): É vista como ferramenta de liberdade e transformação social. As crianças e jovens pedem um sistema educacional melhor e seguro e exigem uma educação de qualidade que promova consciência ambiental e empatia.
3. Representatividade (23% das falas): Associada à escuta ativa e à igualdade, os participantes demandam mais espaços de decisão onde possam participar, valorização de suas vozes e respeito, especialmente para meninas, jovens e pessoas negras.
4. Saúde (12% das falas): Conectada à qualidade de vida, alimentação, saneamento e bem-estar emocional. As falas destacam a necessidade de comida em fartura e ambientes saudáveis.
As percepções dos participantes ressaltam ainda que a crise climática aprofunda desigualdades estruturais, como racismo ambiental, pobreza e desigualdade de gênero, aumentando os riscos de múltiplas violências, como trabalho infantil, exclusão escolar e casamentos precoces.
“As Mini-COPs mostraram que meninas, meninos e jovens entendem a crise climática não como um conceito distante, mas como algo que afeta suas casas, escolas e sonhos. Elas têm propostas, vontade de agir e querem, sobretudo, serem ouvidas”, explica Cynthia Betti, CEO da Plan International Brasil.
Contexto
De acordo com o UNICEF (2021), mais de 1 bilhão de crianças em todo o mundo vivem em áreas de alto risco climático, sujeitas a múltiplos perigos como secas prolongadas, inundações, poluição do ar e escassez de água potável. Isso significa que quase metade das crianças do planeta já enfrenta ameaças diretas à sua sobrevivência e desenvolvimento. Ainda assim, apenas 2,4% do financiamento climático global leva em conta as necessidades específicas de crianças e adolescentes — o equivalente a US$ 1,2 bilhão em 17 anos, segundo relatório conjunto do UNICEF, Plan International e Save the Children (2023).
Esse descompasso entre vulnerabilidade e investimento mostra que as infâncias seguem invisíveis na política climática global. A ausência de recursos destinados à proteção, à educação e à adaptação infantil compromete gerações inteiras. O IPCC (2022) alerta que as crianças nascidas em 2020 enfrentarão, ao longo da vida, sete vezes mais ondas de calor, quase três vezes mais secas e o dobro de enchentes do que aquelas nascidas em 1960 — um salto sem precedentes na história da humanidade.
No Brasil, esses impactos já são uma realidade. As emergências ambientais têm interrompido aulas, contaminado fontes de água e agravado a insegurança alimentar. Em 2024, mais de 1 milhão de estudantes tiveram o calendário escolar afetado por desastres climáticos, segundo o UNICEF. O Ministério da Saúde estima que 8,5 milhões de pessoas foram atingidas por eventos extremos nos últimos cinco anos.
Plan International na COP 30
A Plan International Brasil marcará presença em cinco momentos oficiais e paralelos da COP 30, levando as vozes das infâncias e juventudes brasileiras aos espaços de decisão e reflexão climática:
13 de novembro — Exibição do documentário “Saúde no Rolê” no Cinema Líbero Luxardo, às 10h, incluindo episódio sobre mudanças climáticas, seguida de roda de conversa com participação de Paula Alegria, assessora de Advocacy em Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos da Plan International Brasil. A Mostra é organizada pelo Instituto Mundos (Mostra de Cinema Infantojuvenil pelo Clima – Telas Amigáveis), com cobertura da Rádio Unama.
14 de novembro - Painel “From the ICJ to action: Youth power driving intergenerational justice”, com moderação de Paula Alegria, assessora de Advocacy em Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos da Plan International Brasil.
17 de novembro (15h30)
— Painel “Facilitating a multi-stakeholder dialogue on integrating good
child-sensitive climate adaptation practices”, com participação de
Paula Alegria.
18 de novembro — Painel “Private
Sector in Adaptation Finance”, com participação de Cynthia Betti,
organizado pela Zurich Climate Resilience Alliance.
20 de novembro —
Painel “Climate Entrepreneurship for Women: Green Economy
Opportunities”, com participação de Cynthia Betti, organizado pela
Fundação Dom Cabral.
Por Mariana França
