Roberto T. G. Rodrigues é escritor, mestre de RPG e criador do universo de A Era de Ouro da Magia / Foto: Arquivo pessoal
ARTIGO - Entre HAL 9000 e o ChatGPT: será que a IA é mesmo inteligente ? ou somos nós que estamos mudando? = Por Roberto T. G. Rodrigues
A primeira coisa que precisamos entender é simples: IA não pensa. Ela não tem consciência. Ela não acorda de manhã cheia de ideias novas.
O que chamamos de “inteligência” nada mais é do que aprendizado de máquina — ou seja, um programa que observa padrões e repete comportamentos.
Imagine o seguinte: todo dia, às quatro da tarde, você liga a cafeteira, abre a geladeira, pega o requeijão e, quatorze minutos depois, coloca os pães na torradeira. Se seus eletrodomésticos fossem uma IA, fariam isso sozinhos. Não por mágica. Mas porque aprenderam o seu hábito.
É disso que se trata: repetição, associação, ajuste. Não existe criatividade espontânea.
As IAs de hoje nada mais são do que grandes dicionários vivos, treinados com toneladas de textos, livros, artigos, músicas, imagens. Elas reorganizam o que já existe e devolvem em uma nova forma.
E aqui está a provocação: se um escritor lê dezenas de livros e depois cria a sua própria história… não está fazendo o mesmo? Se nossa mente mistura lembranças, sons e imagens para gerar algo “novo”, não é parecido com o que a IA faz?
Essa dúvida, que parece moderna, é antiga. A literatura e o cinema já a exploram há décadas. Em 2001: Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick, o computador HAL 9000 é capaz de “pensar” — mas seu raciocínio é puro cálculo lógico, sem empatia.
Em Blade Runner, as máquinas choram e amam, confundindo o limite entre humano e artificial. Em Matrix, os humanos se tornam peças dentro do próprio sistema que criaram.
E em Westworld, as máquinas começam a sonhar.
A ficção científica sempre nos alertou que a verdadeira questão não é “o que a IA pode fazer”, mas “o que ela faz conosco”. Afinal, cada vez que terceirizamos uma decisão — uma busca, uma revisão, uma ideia — deixamos um pedacinho da nossa autonomia nas mãos de algoritmos.
Segundo pesquisa da Writer’s Guild americana, mais de 60% dos roteiristas e autores já utilizam IA em alguma etapa do processo criativo. Muitos, inclusive eu, recorremos a ela para revisar textos ou testar novas ideias.
Mas aí fica a dúvida: será que, enquanto corrigem nossos erros, essas máquinas não estão também aprendendo com a gente?
Talvez a pergunta certa não seja se a IA é inteligente. Talvez devêssemos perguntar se nós ainda estamos sendo criativos o suficiente para continuar merecendo esse título.
A IA pode reorganizar padrões, mas ainda não constrói mundos. E é exatamente aí que mora o poder humano: imaginar o que ainda não existe.
Sobre Roberto T. G. Rodrigues
Roberto é escritor, mestre de RPG e criador do universo de A Era de Ouro da Magia.
Nascido no Rio de Janeiro e criado no Rio Grande do Sul, mescla
vivências lúdicas e literárias em tramas que falam de humanidade,
escolhas e conflitos morais. É autor de Golandar, o Paladino, Emma, a Curandeira e Fenda Esquecida.
