Fotos: Andreia Tarelow / Arquivo O Candeeiro
ARTIGO - A não aplicabilidade da Lei Magnitsky no Brasil = Por Ives Gandra
O
Ministro Gilmar Mendes declarou que deve haver uma lei proibindo a
aplicação da Lei Magnitsky no Brasil. Tenho grande admiração e já
escrevo livros com ele, pois somos amigos há 45 anos. Ainda assim, tenho
a certeza de que essa lei não é aplicável no país, razão pela qual, a
meu ver, não há necessidade dessa proibição. Ora, a Lei Magnitsky não
tem efeito na legislação brasileira, diferentemente do que ocorre nos
Estados Unidos.
Entretanto,
o que pode acontecer — dependendo da forma como a Lei Magnitsky for
aplicada pelo governo americano — é que atinja as empresas que trabalham
tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil.
Tem
razão o Ministro Gilmar Mendes ao dizer que a referida lei não é
aplicável e não pode ser aceita no Brasil. Contudo, as empresas que
trabalham nos dois países podem enfrentar problemas, pois se o governo
americano for ao extremo de exigir que tais empresas se sujeitem a essa
lei no território brasileiro – desobedecendo, portanto, no Brasil, o que
é imposto às empresas americanas em relação a uma condenação —, poderão
ser multadas, prejudicadas e até proibidas de trabalhar nos EUA.
Não
há, entretanto, ferimento à soberania nacional de qualquer país. Se as
empresas que estiverem no Brasil entenderem que serão prejudicadas
porque negociam nos Estados Unidos, e estes limitarem suas atividades
por força da Lei Magnitsky, caberá a elas decidirem se aceitam ou não
essa exigência e, não aceitando, arcar com as consequências nos EUA.
Se
não aceitarem e os Estados Unidos quiserem puni-las, terão a opção de
deixarem de atuar naquele país. Se as empresas aceitarem, significa que
aplicarão no Brasil aquilo que é imposto pelo governo americano, a fim
de não serem prejudicadas nos Estados Unidos.
Reitero
que a soberania não está em jogo e o Ministro Gilmar Mendes tem razão,
mas não é necessária norma alguma para dizer que a Lei Magnitsky não é
aplicável no Brasil.
Outra
coisa são as consequências para as empresas que optarão por seguir o
regime americano, trabalhando ou tendo relações nos Estados Unidos. São,
pois, essas empresas que podem sofrer as sanções nos Estados Unidos,
com reflexos para todos os países do mundo.
Isso
é bom esclarecer para não dar a impressão de que está ocorrendo
interferência internacional em território brasileiro. Resumindo, no
Brasil, aplicam-se as leis brasileiras; nos Estados Unidos, as leis
americanas, sendo que a Lei Magnitsky permite que se apliquem sanções a
empresas que lá trabalham.
Embora a lei não tenha efeito per se
no Brasil, as decisões tomadas por empresas multinacionais em face das
sanções americanas criam um precedente de adequação voluntária a uma
norma estrangeira. Esse alinhamento, motivado pela necessidade de acesso
ao mercado dos EUA, não deve ser confundido com a recepção formal da
Lei Magnitsky pelo sistema legal nacional, mas sim como uma consequência
da globalização econômica e da interconexão financeira.
Ademais,
é fundamental considerar a perspectiva da nossa política externa e das
relações diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos diante de tais
cenários. Caso o governo americano intensifique a aplicação
extraterritorial de suas sanções, levando a um impacto significativo em
empresas sediadas no Brasil que operam nos EUA, o Brasil poderá se
sentir compelido a tomar medidas protetivas, não necessariamente para
"proibir" a Magnitsky, mas para salvaguardar o ambiente de negócios
nacional contra o que poderia ser visto como uma pressão indevida.
Isso que é importante realçar, para que não reste nenhuma dúvida de que a
soberania brasileira está garantida.
Ives Gandra da Silva Martins é
professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU,
do Ciee/O Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do
Exército (Eceme), Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal
Regional Federal – 1ª Região, professor honorário das Universidades
Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis
(Romênia), doutor honoris causa das Universidades de Craiova (Romênia) e
das PUCs PR e RS, catedrático da Universidade do Minho (Portugal),
presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio -SP,
ex-presidente da
Academia Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos Advogados de São
Paulo (Iasp).
