
Foto: Divulgação
90 anos sem Fernando Pessoa: Tinta-da-China Brasil lança primeira obra completa de Ricardo Reis com textos inéditos
Em 30 de novembro de 2025, completam-se noventa anos da morte de Fernando Pessoa. Para celebrar a ocasião, a Tinta-da-China Brasil lança um novo volume da Coleção Pessoa: a Obra completa de Ricardo Reis.
O livro reúne pela primeira vez toda a prosa e toda a poesia do primeiro heterônimo criado por Fernando Pessoa, incluindo textos inéditos de Ricardo Reis, novas leituras dos versos e da prosa, além de imagens dos manuscritos. Com edição rigorosa, paratextos e estabelecimento de texto de Jerónimo Pizarro e Jorge Uribe, o leitor brasileiro terá acesso a textos clássicos de Reis — como as famosas odes e o prefácio aos poemas de Alberto Caeiro — na grafia original de Pessoa. Tudo isso embalado em capa dura serigrafada, com o design inconfundível de Vera Tavares.
Ricardo Reis, o heterônimo
Embora oficialmente nascido em 1887 (um ano antes de Fernando Pessoa), Ricardo Reis foi concebido em 1914 na mente de seu criador, na qual já existia de forma latente havia cerca de vinte anos. É complicado nascer heterônimo, não só no tempo, mas também no espaço: antes de nascer no Porto — que convinha mais à sua inclinação monárquica —, Reis tinha nascido em Lisboa. Em 1919, saiu de Portugal voluntariamente expatriado, e talvez tenha vindo morar no Brasil, talvez alhures. Há controvérsias. E como é que um médico defensor do paganismo pode ser ao mesmo tempo monárquico?
Em 1935, Ricardo Reis escreveu o poema “Vivem em nós innumeros”. Se dentro de Pessoa viveram inúmeras pessoas de Pessoa, dentro de Reis também viveram, de fato, inúmeros: o neoclássico antagonista do Integralismo Lusitano, o prefaciador de Caeiro, o médico semi-helenista, o tradutor de Safo e Aristóteles, o monárquico exilado, o defensor da obra perfeita de Milton, o ensaísta interessado em sexualidade, ciência e religião, o crítico do “christismo”, o teórico de um novo ideal pagão, o espectador do mundo como se fosse um jogo de xadrez, o poeta da fugacidade do tempo e da aceitação calma do destino.
Segundo os organizadores, “Reis representa o mundo antigo dentro do mundo moderno, e a sua modernidade está inscrita no carácter paradoxal da sua existência”. Muitos leitores de Reis sublinham esse caráter clássico e moderno de sua obra. É o caso de Mário de Sá-Carneiro, que escreve a Pessoa quando lê as odes pela primeira vez (na grafia original da época): “Conseguiu realisar uma ‘novidade’ classica, horaciana. Pois tal é a impressão que elas me deixaram. Não sei porquê, contêm elementos novos — emtanto são classicas, pagãs”.
Sobre a edição da Tinta-da-China Brasil
A edição da Tinta-da-China Brasil difere das demais, primeiramente, por reunir tanto a obra completa em poesia de Ricardo Reis quanto a obra completa em prosa. Dizem os organizadores: “O volume apresenta não apenas os poemas que consagraram Ricardo Reis como mestre da impessoalidade lírica, mas também sua prosa crítica e filosófica, incluindo os prefácios escritos para Alberto Caeiro, além de inéditos, variantes textuais e notas biográficas”. O livro encerra uma trilogia na Coleção Pessoa, composta pelas obras completas de Caeiro, Campos e Reis.
Em segundo lugar, pelo rigor no estabelecimento do texto, que oferece ao leitor os escritos de Reis na grafia original de Pessoa. E por que, nesse caso, isso é especialmente relevante? Conforme realçam os organizadores, “um aspecto único e altamente fascinante dos textos ricardianos é a ortografia, que Pessoa — já defensor de uma ortografia etimológica — procura arcaizar ainda mais”. Assim, dizem eles, o autor aumenta “os ecos das línguas grega e latina no repertório português”. Faz todo o sentido que Pessoa arcaíze a língua na voz de Reis, que era tradutor de obras da Antiguidade e escreveu odes em diálogo com Horácio e com a tradição greco-latina.
Ainda segundo os organizadores, “são estes traços reiterados na escrita e definidos ao longo do tempo que tornam mais ‘pessoal’ o estilo que hoje é possível reconhecer como próprio de Ricardo Reis”. Vale ressaltar que a edição segue uma ordem cronológica, e que os versos foram editados com especial atenção ao ritmo, à métrica e à estrutura dos poemas. “Ler Reis nesta Obra completa”, afirmam Pizarro e Uribe, “é ler um Reis mais bem decifrado, mais completo e mais diacrônico.”
Fernando Pessoa
Fernando Pessoa (1888?1935) é hoje o principal elo literário de Portugal com o mundo. Sua obra em verso e em prosa é a mais plural que se possa imaginar, pois tem múltiplas facetas, materializa inúmeros interesses e representa um autêntico patrimônio coletivo: do autor, das diversas figuras autorais inventadas por ele e dos leitores. Algumas dessas personagens — Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos —, Pessoa denominou “heterônimos”, reservando a designação de “ortônimo” para si próprio. Diretor e colaborador de várias revistas literárias, autor do Livro do desassossego e, no dia a dia, “correspondente estrangeiro em casas comerciais”, Pessoa deixou uma obra universal em três línguas que continua a ser editada e estudada desde que escreveu, antes de morrer, em Lisboa, “I know not what tomorrow will bring” [“Não sei o que o amanhã trará”].
Jerónimo Pizarro
Professor, tradutor, crítico e editor, Jerónimo Pizarro é o responsável pela maior parte das novas edições e novas séries de textos de Fernando Pessoa publicadas em Portugal desde 2006. Professor da Universidade dos Andes, titular da Cátedra de Estudos Portugueses do Instituto Camões na Colômbia e prêmio Eduardo Lourenço (2013), Pizarro voltou a abrir as arcas pessoanas e redescobriu a “biblioteca particular de Fernando Pessoa”, para utilizar o título de um dos livros da sua bibliografia. Foi o comissário da visita de Portugal à Feira Internacional do Livro de Bogotá (FILBo) e à Festa do Livro e da Cultura de Medellín, e coordena há vários anos a visita de escritores de língua portuguesa à Colômbia. Coeditor da revista Pessoa Plural, assíduo organizador de colóquios e exposições, dirige atualmente a Coleção Pessoa na Tinta?da?China.
Jorge Uribe
Jorge Uribe é professor titular da Escola de Artes e Humanidades da Universidade EAFIT (Medellín) e coordenador do Semillero de Pesquisa em Poética e Tradução (POTRA) da graduação em literatura. Doutor em teoria da literatura pela Universidade de Lisboa (2014) e pesquisador de pós-doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais (2015) e na Universidade de São Paulo (2016-17), Uribe é membro do projeto crítico-editorial Estranhar Pessoa, sediado na Universidade Nova de Lisboa, e corresponsável pela edição pessoadigital.pt, iniciativa desenvolvida em colaboração com a Universität Rostock. É editor das obras de Fernando Pessoa em português e tradutor para o espanhol de autores de língua portuguesa, entre os quais Valério Romão, Mário de Andrade, Pepetela, Machado de Assis e Eça de Queirós. Recebeu financiamento para projetos de pesquisa e bolsas da Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB), em Portugal; da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), no Brasil; da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e da Fundação Calouste Gulbenkian, em Portugal.
Ficha técnica
Título: Obra completa de Ricardo Reis
Autor: Fernando Pessoa
Organização: Jerónimo Pizarro e Jorge Uribe
Capa: Vera Tavares
Editora: Tinta-da-China Brasil
Páginas: 520 pp.
ISBN: 978-65-84835-41-2
Preço: R$ 189,90
Formato: Capa dura, 14 x 21 cm
Lançamento: 8 de novembro de 2025
Sobre a Tinta-da-China Brasil
É uma editora de livros independente, sediada em São Paulo, gerida desde 2022 pela Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos. Sua missão é a difusão da cultura do livro.
Por Julio Sitto |