Foto: Divulgação/Arquivo O Candeeiro
Dor no peito sem bloqueio das artérias pode indicar falha na microcirculação do coração
Sentir dor no peito, passar por exames e ouvir que as artérias do coração estão “normais” não significa, necessariamente, que o problema não seja cardíaco. Um número significativo de pacientes apresenta angina, dor ou sensação de aperto causada pela falta de oxigênio no músculo do coração, mesmo sem obstruções visíveis nas grandes artérias coronárias. Nesses casos, o problema pode estar na microcirculação, formada por vasos microscópicos que não aparecem nos exames tradicionais, mas são essenciais para levar sangue ao coração.
A angina ocorre quando o coração precisa de mais oxigênio do que está recebendo. Na maioria das pessoas, isso acontece porque as artérias coronárias estão estreitadas por placas de gordura, quadro conhecido como doença arterial coronariana. No entanto, estudos mostram que até metade dos pacientes submetidos à angiografia por causa de dor no peito e sinais de isquemia, termo médico para redução do fluxo sanguíneo, não apresentam entupimentos significativos. Esse cenário é chamado de ANOCA, sigla em inglês para angina com artérias coronárias não obstrutivas.
“O cateterismo pode mostrar artérias sem bloqueios importantes, mas isso não exclui sofrimento do coração”, afirma o cardiologista intervencionista baiano Sérgio Câmara. “Na angina microvascular, o problema está nos vasos muito pequenos, que podem não se dilatar adequadamente ou se contrair em excesso, dificultando a chegada do sangue ao músculo cardíaco”, explica o médico.
Sintomas
A angina microvascular é mais frequente em mulheres, especialmente
após a menopausa, e costuma ser subdiagnosticada. Muitas pacientes
convivem por anos com dor no peito, cansaço e limitação para atividades
do dia a dia sem uma explicação clara. “É comum que os sintomas sejam
minimizados ou atribuídos apenas ao estresse ou à ansiedade, o que
atrasa o diagnóstico e o tratamento”, diz Câmara.
Os sintomas nem sempre seguem o padrão clássico. Embora a angina seja descrita como pressão ou aperto no centro do peito, mulheres tendem a relatar queimação nas costas, nos ombros, nos braços ou na mandíbula. Em idosos, o desconforto pode se manifestar como dor nas costas, sensação de indigestão ou mal-estar abdominal, o que facilita confusões com problemas musculares ou gastrointestinais.
Além da disfunção da microcirculação, espasmos temporários das artérias coronárias, quando o vaso se contrai de forma intensa e passageira, também podem causar dor no peito sem entupimento fixo. Outras condições, como anemia grave, hipertensão arterial importante e doenças das válvulas cardíacas, aumentam o esforço do coração e podem desencadear angina mesmo na ausência de obstruções relevantes.
Diagnóstico
Avanços recentes na cardiologia permitiram ampliar a investigação
desses casos. Hoje, durante o próprio cateterismo, é possível avaliar
não apenas a anatomia das artérias, mas também o funcionamento da
circulação do coração. Um dos exames é a reserva de fluxo coronário, que
mede a capacidade de aumentar o fluxo de sangue quando o coração é
exigido. Valores baixos indicam que a microcirculação não está
respondendo adequadamente.
Outro método é o índice de resistência microvascular, que estima a dificuldade de passagem do sangue pelos pequenos vasos. Testes com medicamentos também ajudam a identificar espasmos das artérias. “Essas avaliações permitem diferenciar se a dor vem de falha da microcirculação, de espasmo ou de outra causa. Isso muda completamente a forma de tratar o paciente”, explica Sérgio Câmara.
Tratamento
O tratamento da angina microvascular, em geral, não envolve
procedimentos como stents ou cirurgia, indicados principalmente quando
há bloqueios importantes nas grandes artérias. A abordagem é baseada no
controle rigoroso de fatores de risco, como pressão alta, colesterol
elevado, diabetes e tabagismo, além do uso de medicamentos que reduzem a
sobrecarga do coração ou melhoram o funcionamento dos vasos. “Quando o
mecanismo da dor é identificado, o paciente deixa de peregrinar por
consultórios e passa a ter melhora real da qualidade de vida”, afirma o
cardiologista.
A principal recomendação é não ignorar a dor no peito nem considerá-la normal quando exames iniciais parecem tranquilos. “A ausência de entupimento nas grandes artérias não significa ausência de doença. A microcirculação pode estar comprometida, e hoje temos meios seguros de investigar e tratar isso”, conclui Sérgio Câmara.
Por Cinthya Brandão
