Foto: Divulgação/Arquivo O Candeeiro
ARTIGO - Canetas emagrecedoras ameaçam a saúde e a integridade do esporte = Por João Antonio de Albuquerque e Souza
O avanço das chamadas “canetas emagrecedoras” no mercado de saúde extrapolou o ambiente clínico e já começa a afetar o esporte de maneira preocupante. O fenômeno, impulsionado pela popularização de substâncias como semaglutida e tirzepatida, acende um alerta sobre o uso indiscriminado desses medicamentos por atletas que buscam perder peso rapidamente ou melhorar seu desempenho físico sem necessidade clínica comprovada.
A discussão ganhou novas proporções após a revelação de que Serena Williams, tenista campeã de 23 Grand Slams, aposentada desde 2022, afirmou utilizar o Mounjaro (vendido nos EUA como Zepbound) para perda de peso. Além disso, a atleta foi anunciada como garota-propaganda da empresa americana de telemedicina Ro, que a nomeou “embaixadora celebridade” de uma campanha plurianual para normalizar o uso de medicamentos GLP-1 para emagrecimento.
Ao mesmo tempo em que a narrativa comercial busca naturalizar o consumo dessas substâncias, o movimento evidencia como a indústria e figuras de grande influência podem reforçar a ideia, já presente no ambiente esportivo, de que fármacos potentes podem substituir acompanhamento médico adequado e preparação física estruturada, ampliando o risco de uso indevido e pressões silenciosas sobre atletas profissionais. Essas substâncias atuam diretamente no sistema metabólico, alterando apetite, absorção de nutrientes e resposta hormonal.
Um estudo clínico divulgado publicado na The New England Journal of Medicine mostrou que o medicamento Mounjaro, da Eli Lilly, apresentou resultados superiores ao Wegovy, da Novo Nordisk, no tratamento da obesidade. A pesquisa constatou que após 72 semanas os participantes tratados com tirzepatida (Mounjaro) perderam em média 20,2% do peso corporal, cerca de 22,8 kg, enquanto os que receberam semaglutida (Wegovy/Ozempic) tiveram redução média de 13,7%, equivalendo a aproximadamente 15 kg.
O uso dessas medicações por pessoas saudáveis, especialmente atletas de alto rendimento, pode acarretar efeitos colaterais sérios, como perda de massa muscular, queda de performance, distúrbios gastrointestinais e desequilíbrios que comprometem toda a preparação física. Embora as substâncias presentes nas canetas emagrecedoras (semaglutida e tirzepatida) não estejam na lista de substâncias proibidas pela WADA, a tendência é de sejam incluídas brevemente. A atualização das listas ocorre anualmente e, caso essas substâncias sejam incorporadas, a mudança só deve valer a partir de 2027.
Até lá, não configuram doping, mas isso não elimina os riscos médicos e nem o debate ético envolvido. A ausência atual dessas substâncias no código antidopagem cria um vácuo interpretativo, em que atletas podem usá-las legalmente, desde que com prescrição, mas isso abre espaço para uso inadequado e fora das diretrizes terapêuticas. Em um cenário de intensa pressão por performance, o risco é que a fronteira entre tratamento médico e busca artificial por vantagem competitiva se torne cada vez mais tênue.
A disseminação dessa prática também aponta para a normalização do uso de medicamentos potentes como soluções rápidas para demandas do esporte profissional. A promessa de perda de peso sem esforço físico desafia os princípios básicos da preparação atlética e reforça comportamentos nocivos, especialmente entre jovens atletas expostos a expectativas de rendimento precoce.
Profissionais da saúde esportiva alertam que intervenções farmacológicas só devem ocorrer quando há indicação clínica clara, sempre com acompanhamento médico especializado e nunca como recurso estético ou emergencial. Um atleta que recorre a substâncias dessa natureza sem necessidade real coloca em risco não apenas a própria saúde, mas a integridade da competição e o conceito de performance baseada em treinamento e disciplina.
No fim, o debate sobre canetas emagrecedoras no esporte não se resume à lista de substâncias proibidas, mas à responsabilidade das entidades esportivas, clubes, treinadores e médicos. O risco não está apenas no doping futuro, mas no presente, já que a crescente banalização de medicamentos complexos e o impacto disso na saúde de atletas que, pressionados por resultados, podem estar ultrapassando limites invisíveis, aqueles que a ciência ainda leva tempo para mensurar, mas que já começam a cobrar seu preço.
João Antonio de Albuquerque e Souza é atleta olímpico, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestre em Direito e Justiça Social pela UFRGS. É ex-Presidente do Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TJD-AD) e sócio fundador do escritório Albuquerque e Souza. Com expertise em Direito Civil, Trabalhista e Desportivo, sua atuação abrange temas como contratos e responsabilidade civil
