Foto: Diogo Andrade
Pensador Malcom Ferdinand levou discussões sobre decolonialismo e desastres climáticos ao Festival Nosso Futuro
Na tarde desta quinta-feira (06), o Fórum Nosso Futuro Brasil-França, Diálogos com a África realizado na DOCA 1, em Salvador, colocou em análise a separação entre crise ambiental e desigualdade colonial com a participação do pesquisador do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), Malcom Ferdinand. Destaque na programação do fórum, que integra o Festival Nosso Futuro Brasil-França: Diálogos com África, o filósofo político, natural da Martinica, um território francês no Caribe, propõe uma ruptura com o ambientalismo tradicional, articulando a crise ecológica com o colonialismo, racismo e injustiça social.
Em entrevista mediada pela co-curadora do projeto Regard créole do festival WOW, no Rio de Janeiro, Djamila Delannon, Ferdinand falou sobre conceitos que traz em seu livro "Uma Ecologia Decolonial: Pensar a Partir do Mundo Caribenho" (editora Ubu). Mostrou ainda como sua vivência na Martinica, ilha marcada pelas conquistas coloniais e genocídio das populações indígenas, de acordo com Djamila, moldou a sua maneira de pensar o mundo.
“Proponho uma crítica à linguagem científica”, afirmou. De acordo com ele, há conceitos acessíveis apenas a uma parte da população e cada palavra possui uma história que deve ser analisada. Aqui, citou “ecologia”, criada por um biólogo alemão que defendia ideias eugenistas. Para Ferdinand, a sociedade herdou uma herança majoritariamente branca, masculina e colonial que se reflete hoje num desafio ecológico, um mundo onde os eventos extremos são piores para as pessoas racializadas.
“Mesmo pessoas caracterizadas como pretas podem reproduzir uma branquitude epistêmica”, declarou, ao refletir sobre como o saber é formado. Aqui, citou também as universidades do mundo que, segundo ele, continuam alimentando um saber científico cheio de vieses e preconceitos. “Não existe um lugar no mundo que esteja a salvo da poluição”, disse. “O conceito de habitar colonial, a ideologia da descoberta, chegou com um conjunto de princípios onde habitar significa destruir o que é vivo”, explica. Por isso, propõe inventar relações de amor para se contrapor à relação mortífera da poluição. “Qual amor eu posso manifestar pela minha terra?”
Cidade vs Natureza
Também à tarde, o público recebeu a intelectual brasileira Leda Maria Martins. Doutora em Letras, poeta, dramaturga e autora de vasta produção acadêmica, Leda trouxe para a discussão a dicotomia entre cidade e natureza, relembrando tragédias ambientais recentes, como o desastre de Mariana, que completou 10 anos nesta quarta-feira (05). Recordou, ainda, o passado desigual brasileiro que, de acordo com ela, é compartilhado com a África. Além disso, questionou como construir democracias que não provoquem carências, como fazer existir um presente e um futuro em que as tecnologias e a ciência trabalhem em prol do planeta, e não apenas para satisfazer padrões de consumo, citando a busca por Terras Raras como exemplo.
Tratando de ancestralidade, Leda mostrou que os povos da diáspora herdaram uma percepção de que o mundo tem a sacralidade da existência. “Nós somos a natureza”, disse ela, indicando que se deveria escutar os pensamentos e reflexões dos povos originários e ancestrais e que a própria ideia de cidade não inclui os ensinamentos indígenas. “Nas cidades cabem apenas certos tipos de humanos”, afirma.
Ao falar do que a juventude deseja para o futuro do nosso mundo, Leda demonstrou ter esperança. Compartilhou com a plateia as perguntas de jovens ativistas feitas às autoridades na cerimônia de abertura do Festival Nosso Futuro, realizado na última quarta-feira (05), no Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA), e disse: “Que alegria a gente ver jovens tão comprometidos com o planeta”.
Sobre o Festival Nosso Futuro
O Festival Nosso Futuro Brasil-França: Diálogos com África foi organizado pelo Institut français e pela Embaixada da França no Brasil no âmbito da Temporada França-Brasil 2025, em parceria com o Governo Federal brasileiro (Ministério da Cultura), Universidade Federal da Bahia, Governo da Bahia, Prefeitura de Salvador, Accor, Salvador Bahia Airports, Aliança Francesa, CUFA Brasil e CUFA França, a Fundação de Inovação pela Democracia, o Conselho Geral de Seine Saint-Denis, a Cidade e a Metrópole de Montpellier, a Cidade de Paris e a Cidade de Saint-Ouen.
Sobre a Temporada França-Brasil 2025
Iniciada pelos presidentes de ambos os países, a Temporada celebra 200 anos de relações diplomáticas com mais de 300 eventos por todo o Brasil, com foco nos três temas: democracia e globalização justa e inclusiva; diversidade e diálogo com a África; clima e transição ecológica.
Foi organizada pelo Institut français e pelo Instituto Guimarães Rosa, com o apoio de um extenso comitê de mecenas, incluindo grandes empresas como ENGIE, L’Oréal, LVMH e Carrefour.
SERVIÇO
Festival Nosso Futuro – Brasil-França: Diálogos com a África
Datas: 5 a 8 de novembro de 2025
Local: Diversos espaços em Salvador, Bahia
Por Lorena Novas
